segunda-feira, dezembro 19, 2005

O Alegre Semeador


Concluí hoje, finalmente, que Alegre não quer realmente ser Presidente da República. Confesso que sempre tive alguma dificuldade em imaginar o ilustre vate emparedado nas rígidas obrigações do cargo. Hoje, no debate da TVI, pareceu-me que Alegre surge predestinado para corporizar uma alternativa que não chega a vencer mas existe, está lá; é uma espécie de reserva moral do republicanismo ao mesmo tempo que semeia espaços de ruptura com o cinzentismo da política actual. Já fora assim no combate interno com Sócrates: ele precisa que ninguém diga que virou as costas à luta, que ninguém diga que faltou coragem ao peito lusitano ou que a poesia desistiu de mudar a vida.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Quem fala assim não é gago!


Por vezes, quando alguém diz as coisas que nós pensamos e de uma forma mais certeira, talvez não nos reste outra saída que citá-las, com a devida vénia. É o caso dos excertos que retirei da entrevista que Helena Abreu deu à Pública deste domingo.

«Em França, deram um ano para as escolas pensarem nas aulas de substituição. Aqui a medida saiu em Agosto para ser aplicada um mês depois. Houve demasiada precipitação nisto tudo, o que criou cansaço, desânimo, enquistamento e o enquistamento provoca reacção à mudança.
Podiam ter-nos dado mais tempo. A ministra [da Educação] diz que só tem quatro anos, mas eu não tenho culpa disso. Ela que se faça reeleger ou que haja continuidade nas políticas de educação, porque nós estamos fartos de comer com reformas em cima de reformas. Cada um que vem traz uma diferente e nós temos que nos adaptar a tudo.
A poeira agora está a assentar, mas é precisamente nesta altura que nos cai outro -despacho normativo em cima. E sempre com aquela ideia de que é preciso mais aulas de reposição, de apoio, para resolver o problema do insucesso escolar.
(…)
Temos um défice enorme em matéria de educação. Grande parte dos nossos licenciados tinham avós analfabetos e a gente anda a pagar a conta disso tudo. O 9° ano só é obrigatório desde há 16 anos. O que é que esperam? Querem milagres?»

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O referido guichet


Fui hoje ao CAE de Aveiro. Coordenação Educativa de Aveiro. Foi muito educativo.

Fiquei chocado. Não entrava em instalações tão paupérrimas e decadentes, desde que tinha ido renovar o passe de estudante a uma empresa de camionagem que funcionava num vetusto edifício que, de resto, já abandonou há muito. Já passaram mais de 20 anos.

Voltemos a 2005. Depois de subir um lance de escadas escuro e bafiento, desembocamos numa saleta de espera com um mobiliário espartano e degradado, onde pousam folhetos desalinhados e decerto obsoletos, ali esquecidos desde tempos imemoriais. Há um guichet com aquelas janelinhas de vidro martelado com uma seca frincha entreaberta, como que a pedir a todos os santos para não ser importunada. A altura do referido guichet obriga qualquer pessoa de origem não pigmeia a curvar-se acentuadamente para espreitar quem poderá vir a atendê-lo daquele buraco. A qualquer momento esperamos ver assomar o bicharoco da “Metamorfose” de Kafka. Entre o referido guichet – perdoem-me o galicismo em pleno período de gripe das aves – e o público, está uma anosa secretária metálica com o tampo traseiro virado para a frente, parecendo ter como única função evitar que alguém se aproxime do referido guichet e tornar ainda mais desagradável qualquer abordagem.
Não tive coragem de interromper o tranquilo remanso do vulto que se suspeitava por trás do referido guichet e por ali fiquei expectante. Por sorte, um outro habitante do covil que saía para um cafezinho atendeu-me solicitamente.

Se é para manter serviços do Estado nestas condições indignas, mais valera que o “referido” Estado as encerrasse.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Governo ataca inatacáveis



Segundo fontes próximas de José Sócrates, o Governo está a equacionar a possibilidade de vir a acabar com o subsídio de reinserção para os detentores de cargos políticos com mais de 120 anos. Desta forma, os indivíduos abrangidos deixam de receber uma quantia substancial, que os ressarcia do termo do mandato e lhes suavizava o período de procura de novo emprego. A medida não é para já e não vai afectar os eleitos na presente legislatura, mas, num prazo a anunciar, o corte vai “mesmo acontecer, provavelmente já na próxima década”, como assegurou um dos colaboradores do primeiro-ministro.
O porta-voz do principal partido da oposição já manifestou o seu repúdio por o que considerou ser “uma manobra populista, sem qualquer sentido e que visa retirar dividendos eleitorais”. Por seu lado, Jerónimo de Sousa apoiou esta medida, mesmo que ele próprio “venha um dia a ser penalizado por ela, uma vez que a classe política deve dar o exemplo no sacrifício e não serem sempre os mesmos a pagarem a crise”. Francisco Louçã criticou veementemente o governo por falta de coragem, já que “o primeiro-ministro deveria ser mais ousado e baixar a fasquia para os 110 anos”. Do lado do PP, não houve ainda reacções, Ribeiro e Castro está em Bruxelas e Paulo Portas dorme a estas horas do outro lado do Atlântico.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Lembrando o velho Tom

Em homenagem a Tom Waits, que hoje faz aninhos, fica a letra de umas das suas (minhas) músicas preferidas. Um postal de Natal em que uma prostituta na prisão conta a "charlie", presumivelmente ex-namorado, uma vida boa (imaginária)! Triste e lindo, só possível na voz do Tom.

Christmas card from a hooker in minneapolis
Tom Waits

Hey Charley I'm pregnant
And living on 9th Street
Right above a dirty bookstore
Off Euclid Avenue
And I stopped takin' dope
And I quit drinkin whiskey
And my old man plays the trombone
And works out at the track

And he says that he loves me
Even though it's not his baby
And he says that he'll raise him up
Like he was his own son
And he gave me a ring
That was worn by his mother
And he takes me out dancin'
Every Saturday night

And hey Charley I think about you
Everytime I pass a fillin' station
On account of all the grease
You used to wear in your hair
And I still have that record
Of Little Anthony & the Imperials
But someone stole my record player
Now how do you like that?

Hey Charley I almost went crazy
After Mario got busted
So I went back to Omaha to
Live with my folks
But everyone I used to know
Was either dead or in prison
So I came back to Minneapolis
This time I think I'm gonna stay

Hey Charley I think I'm happy
For the first time since my acciden
tAnd I wish I had all the money
That we used to spend on dope

I'd buy me a used car lot
And I wouldn't sell any of em
I'd just drive a different car
Every day, dependin on howI feel

Hey Charley
for Chrissakes
Do you wanna know
the Truth of it?

I don't have a husband
He don't play the trombone
And I need to borrow money
To pay this lawyer
And Charley, hey
I'll be eligible for parole
Come Valentine's Day

sexta-feira, dezembro 02, 2005

PUM-PUM, acertei-te!


Um ministério da educação que fustiga os professores na praça pública, que denigre a sua imagem e os menoriza só pode estar a dar tiros no pé.
Podiam falar com a malta, explicar (sim, que não somos estúpidos), apelar para o que entendessem, mas sempre, em benefício do bem geral, mas não, senhor, chicoteiam os ares lá do alto da cadeira com ataques tão soezes como inexplicáveis.
A classe docente é tão numerosa, tão heteróclita e tão diversamente representada por miríades de sindicatos, que nem chega a ter laivos corporativos. Somos tantos e tão diversos que nunca poderíamos estar unidos em torno de um sentimento de classe; tampouco somos impermeáveis às dificuldades que avassalam o querido rectângulo. Sem esquecer que, economicamente há, de facto, professores que estão razoavelmente bem; e outros que estão muito razoavelmente mal. O governo dispara sobre todos uma saraivada de artilharia cega. E prefere chamar a atenção da sociedade para as faltas dos professores ‑ canalhice-mor em dia de greve e manifestações ‑, em vez de criar condições para que elas diminuam ou avançar medidas que atenuem o impacto das respectivas “folgas” nos alunos.
A toda a hora, se alimenta a imagem do professor baldas, incompetente e despropositadamente refilão. Curiosamente, inquéritos recentes demonstram que o professor é uma das profissões com melhor imagem junto da opinião pública.
Quem vem na cauda da credibilidade? Sim, adivinharam, os políticos que nos (des) governam.