segunda-feira, agosto 11, 2014

Cap.I Sentado

Estava sentado. Melhor dizendo, reclinado, ao jeito dos antigos que não se deitavam para dormir, com pavor de morrerem durante o sono. Mas não dormia, não conseguia conciliar o sono. Não, porque estivesse agitado ou nervoso. Não. Era mais uma sensação de ansiedade entediante, mas sem moedouro no estômago. Detestava estes tempos mortos, no intervalo entre cenas intensas. Ultimamente, tinha perdido o jeito para adivinhar a sua emergência. Tinha cada vez mais dificuldades em ler os sinais. Ou talvez o excesso de acuidade analítica o impossibilitasse de intuir com mais clarividência. Sentia-se cada vez mais sozinho também.
Ao fim de muito tempo de silêncio de pensamentos, soergueu-se e tentou vislumbrar o que se passava para lá do horizonte. Ah, o costume. Vezes e vezes sem conta, assistira àquele vaivém. Nenhuma novidade parecia estar em germinação. Mas já tinha passado tanto tempo… seria possível que teria ainda de esperar mais? Virou-se de barriga para baixo e ficou a olhar fixamente o chão, a escassos milímetros do nariz. De vez em quando, desfocava a vista propositadamente, de modo a obter alguns efeitos visuais peculiares. Era uma brincadeira antiga, que sempre o divertira. Mas até as brincadeiras acabam por saturar. Decidiu então sorver o cheiro da terra. Hum, o travo da argila… Com um pequeno esforço de imaginação, começou a sentir outros aromas: areia da praia torrada do sol, erva acabada de cortar, torrões de terra húmida e fértil, moléculas de poeira soltas pelas primeiras chuvas, o substrato ressequido dos cemitérios, a lama empapada no campo de batalha. Era fácil demais e rapidamente se encaminhava para a morte. Era inevitável.
Desta vez, escolhera ficar de pé. Não fazia mal que algum ébrio lhe pudesse descortinar o halo. Às urtigas, o halo! Nunca aceitara de bom grado transportar consigo tal apêndice. Sempre o incomodara o sentido do ridículo. Não perdera a esperança de se vir a libertar de tão aberrante adereço.
Não se arrependeu. Lá longe, muito longe, algo que nunca vira antes parecia rebrilhar na neblina. 

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