Estava sentado. Melhor dizendo,
reclinado, ao jeito dos antigos que não se deitavam para dormir, com pavor de
morrerem durante o sono. Mas não dormia, não conseguia conciliar o sono. Não,
porque estivesse agitado ou nervoso. Não. Era mais uma sensação de ansiedade
entediante, mas sem moedouro no estômago. Detestava estes tempos mortos, no
intervalo entre cenas intensas. Ultimamente, tinha perdido o jeito para
adivinhar a sua emergência. Tinha cada vez mais dificuldades em ler os sinais.
Ou talvez o excesso de acuidade analítica o impossibilitasse de intuir com mais
clarividência. Sentia-se cada vez mais sozinho também.
Ao fim de muito tempo de silêncio
de pensamentos, soergueu-se e tentou vislumbrar o que se passava para lá do
horizonte. Ah, o costume. Vezes e vezes sem conta, assistira àquele vaivém.
Nenhuma novidade parecia estar em germinação. Mas já tinha passado tanto tempo…
seria possível que teria ainda de esperar mais? Virou-se de barriga para baixo
e ficou a olhar fixamente o chão, a escassos milímetros do nariz. De vez em
quando, desfocava a vista propositadamente, de modo a obter alguns efeitos
visuais peculiares. Era uma brincadeira antiga, que sempre o divertira. Mas até
as brincadeiras acabam por saturar. Decidiu então sorver o cheiro da terra. Hum,
o travo da argila… Com um pequeno esforço de imaginação, começou a sentir
outros aromas: areia da praia torrada do sol, erva acabada de cortar, torrões
de terra húmida e fértil, moléculas de poeira soltas pelas primeiras chuvas, o
substrato ressequido dos cemitérios, a lama empapada no campo de batalha. Era
fácil demais e rapidamente se encaminhava para a morte. Era inevitável.
Desta vez, escolhera ficar de pé.
Não fazia mal que algum ébrio lhe pudesse descortinar o halo. Às urtigas, o
halo! Nunca aceitara de bom grado transportar consigo tal apêndice. Sempre o
incomodara o sentido do ridículo. Não perdera a esperança de se vir a
libertar de tão aberrante adereço.
Não se arrependeu. Lá longe, muito longe, algo que
nunca vira antes parecia rebrilhar na neblina.
Sem comentários:
Enviar um comentário