
Não esqueço o dia da tempestade. Havia uma música verde no ar. Um aroma de pão a entrar no forno. Um frémito de dúvida percorreu as nuvens. O raio caiu, indiferente como uma flecha, certeiro como a fome. E tu caíste, desamparado pela colina abaixo. E eu fiquei a olhar para baixo, os olhos desenrolados nas torrentes de chuva. Senti os ossos líquidos, a alma vitrificada. O primeiro esvoaçar de medo tocou-me no lóbulo da orelha esquerda, agitando as portas mais abaixo. Olhei para cima e não vi nada. Senti o primeiro espigão a crescer-me nas costas. Caíram-me os dentes, os olhos apodreceram e, em seu lugar, cresceram duas pedras. Não consegui chamar pelo teu nome.
Arrependi-me de não ter descido à planura, incrustado no penhasco. Faço-o agora. Vejo que continuo por aqui. Vim ver-me.