(a Miguel Torga)
Reencontrei-te hoje à tarde
Estavas anichado na tua voz litúrgica
Falavas muito mais baixo que os teus poemas
E todavia ribombavas
Mais fundo que uma fraga fendida por um raio
Sussuravas mais alto que as urzes no crepúsculo
Falavas para o vazio
Quem te aprisionou sabendo que estavas irremediavelmente
Prisioneiro da tua sede de liberdade?
Reencontrei-te e estavas arrumadinho com datas e lugares e tudo
Tua voz engaiolada em tons de lounge de hotel
A tua missa, quem a saberá?
Como pareciam acolhedores os ecos sintéticos da tua alma
Como soavam afáveis as tuas sílabas
Terias caído na vertigem da delicadeza?
Mil vezes, não!
A tua voz só tem lugar na crua exactidão do negro sobre o branco
Ou melhor dizendo do branco sobre o negro pois a luz só está no que não se diz
Não te reconheci
Mas reconheci-me
vi-me esperneando no espasmo do espanto
vi-me sangrando no abandono do Pai
vi-me palpitando as dores da terra pródiga
vi-me tacteando titubeante esta vida de barro
vi-me perante a nudez dum socalco ancestral
Estavas anichado na tua voz litúrgica
Falavas muito mais baixo que os teus poemas
E todavia ribombavas
Mais fundo que uma fraga fendida por um raio
Sussuravas mais alto que as urzes no crepúsculo
Falavas para o vazio
Quem te aprisionou sabendo que estavas irremediavelmente
Prisioneiro da tua sede de liberdade?
Reencontrei-te e estavas arrumadinho com datas e lugares e tudo
Tua voz engaiolada em tons de lounge de hotel
A tua missa, quem a saberá?
Como pareciam acolhedores os ecos sintéticos da tua alma
Como soavam afáveis as tuas sílabas
Terias caído na vertigem da delicadeza?
Mil vezes, não!
A tua voz só tem lugar na crua exactidão do negro sobre o branco
Ou melhor dizendo do branco sobre o negro pois a luz só está no que não se diz
Não te reconheci
Mas reconheci-me
vi-me esperneando no espasmo do espanto
vi-me sangrando no abandono do Pai
vi-me palpitando as dores da terra pródiga
vi-me tacteando titubeante esta vida de barro
vi-me perante a nudez dum socalco ancestral
vi-me petrificado de dúvida e de certeza na mesma ígnea fusão
os pedaços de papel juravam lealdade
garantiam a perpetuação impossível
erguiam-se da lama e marchavam alegres da sua missão
Oh, oráculo de Dioniso e Satanás
Que portas para o precipício franqueaste?
Que mão pode sentir o abraço fraterno da verdade?
Que ouvidos podem estender uma toalha alva
garantiam a perpetuação impossível
erguiam-se da lama e marchavam alegres da sua missão
Oh, oráculo de Dioniso e Satanás
Que portas para o precipício franqueaste?
Que mão pode sentir o abraço fraterno da verdade?
Que ouvidos podem estender uma toalha alva
aos gemidos de Orfeu?
Que destino para as almas que se acotovelam na encruzilhada
Da dúvida
Antecâmara da comunhão com o húmus?
Da dúvida
Antecâmara da comunhão com o húmus?
Reencontrei-te hoje à tarde
A voz da gravação era velha
E de ancião
Mas as tuas palavras escritas rasgavam a treva com o ímpeto da juventude
Em todo o lado nascias e voltavas a nascer
O verbo lançando penedos a grandíssimas alturas
E cá em baixo as almas confusas comemoravam o teu primeiro
Centenário.
Mito, 12 de Agosto de 2007
A voz da gravação era velha
E de ancião
Mas as tuas palavras escritas rasgavam a treva com o ímpeto da juventude
Em todo o lado nascias e voltavas a nascer
O verbo lançando penedos a grandíssimas alturas
E cá em baixo as almas confusas comemoravam o teu primeiro
Centenário.
Mito, 12 de Agosto de 2007
2 comentários:
É um texto comovente, como quase todos os reencontros, uma homenagem sentida e bela a quem foi tão profundamente humano, a quem, como dizes, nasce e volta a nascer, as palavras, como também dizes, "penedos a grandíssimas alturas".
Obrigada.
Obrigado pelo comentário, solidário, mas habilitado.
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