quinta-feira, janeiro 27, 2005

Auschwitz

Piras de fumo empilhadas sobre as chaminés
Testemunham a morte dos meus irmãos
Têm a forma de um símbolo sagrado
Profanado nas aras da candura

Ecos de dor passeiam ainda pelos escombros
Procurando pelo seu corpo apanhado na surpresa do fim
Um silêncio amarfanhado corta o ar
E corrói o selo da natureza ultrajada

Escorrem das nuvens cordas de pétalas tristes
Há uma lâmina que risca sulcos nos nós do tempo
Piras de fumo empilhadas sobre as chaminés
Testemunham a morte dos meus irmãos

Choro os irmãos descidos ao infra-humano
A vítima e o algoz no mesma espiral de fezes
Que abismos de agonia que fragas de cerração
Terão trocado esses olhares quando se cruzaram?

Olhos fundos dedos descarnados um esgar de volúpia
Ante a quimera dum dia sem luz
O horizonte fica coberto de vultos empunhando pás
Talvez felizes talvez expectantes da terra húmida

Não consigo vislumbrar a fímbria do dia

Não consigo olhar o espelho
Não consigo olhar
Não consigo
Não

Ah, a crua náusea de não poder dizer nunca mais!

Mito, 27-01-2005

1 comentário:

Graça disse...

Gostava de descobrir como conseguiste escrever este poema a preto e branco, a fazerlembrar os registos fílmicos da época, ou como conseguiste retratar os mortos (mesmo os que sobreviveram...). E as piras de fumo são uma excelente imagem, tal como a náusea que inspiram - ou deviam inspirar.Sempre.