segunda-feira, novembro 07, 2005

O despertar das raivas

Era um fenómeno relativamente conhecido e previsto por diversos pensadores e analistas: o da insurreição das massas suburbanas. E não se pense que o fenómeno ficará por França ou mesmo pela Europa, acompanhará o emaranhado de todas as polis do mundo dito desenvolvido. Lembram-se de Los Angeles?
A verdade é que vivemos num mundo a muitas velocidades e com grandes clivagens sociais. Os donos do sistema presumem que se pode manter eternamente uma multidão de frustrados em pousio, mesmo que à custa de dispendiosos subsídios e apoios de vária espécie. Crerão talvez que o turbilhão consumista lhe vá alienando a insatisfação, quando, com efeito, a vai alimentando, como se fora um dragão a hibernar.
A realidade vem mostrar que cada ser humano não necessita apenas de alimentação e abrigo (e distracção no próprio abrigo); precisa que a sua vida tenha um sentido; carece de não se sentir sacudido para as margens. E é nas “margens” da grande urbe que o vandalismo se inicia.
Andaremos mal se acreditarmos estar perante mero vandalismo; os actos violentos de França traduzem igualmente uma revolta e uma crispação com motivações várias, tantas vezes alimentadas pelas chamadas correntes de contracultura ou subcultura. A raiva tem muitos rostos e muitas razões, mas, um dia, pode sentir o apelo do “bando” e sair à rua para participar no grande ritual da insurreição.
Com pão e circo, Roma se manteve muitos e muitos anos. Até que um dia, as hordas de bárbaros fizeram desmoronar um império já demasiado apodrecido. A velha Europa, sua herdeira, debate-se hoje com tremendas pressões quer externas (veja-se Espanha e o norte de África), quer internas; em breve, mais uma vez, o velho continente vai ser posto à prova. Está complicada a manutenção da supremacia do homo occidentalis.

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