sexta-feira, janeiro 20, 2006

Pobres por dentro e por fora?


Nada me move contra o mundo necessariamente frívolo da moda. De certa forma, a voragem incessante dos figurinos e a contínua exigência da novidade funciona como uma boa metáfora da nossa existência e particularmente dos nossos dias. Devo dizer, porém, que há certos aspectos do bem-vestir de prêt-a-porter que me chocam e chegam até a entristecer por momentos, de tal forma estampam, a um só tempo, a nossa arrogância e o nosso decadentismo.
Exemplo disso é a moda da roupa esfarrapada, rasgada, remendada, encardida e desbotada. Confesso que os novos maltrapilhos chic, envergando vestes de avultado preço, me confundem um pouco o espírito, talvez já empoeirado de conservadorismo.
Impressiona esta arrogância ocidental de simular a pobreza; é como que uma ambulante e permanente acusação “Algures, há andrajosos que passam frio e têm fome. Nós andamos assim porque é belo!”. Não consigo verdadeiramente captar a essência desta tendência. Subverter a própria moda, como fizeram os modernismos às artes plásticas, sobretudo? A moda pôr-se em causa a si própria através da ironia?
Mas como as calças e os casacos puídos e desbotados do ano passado não são como as calças e os casacos puídos e desbotados deste ano, tais peças acabarão irremediavelmente no baú ou nos contentores de ajuda para África.
Gostava de ver a cara do africano a quem o membro da Cruz Vermelha estende uma camisa rasgada e remendada: - Lá em Portugal, andam com a roupa mesmo até ao fim!...

Sem comentários: