sábado, julho 15, 2006

A bicha

Um povo é capaz de mudar muito por fora.

Sentada ao volante do seu desportivo, parada numa bicha, sob o sol impiedoso, uma loura platinada mantém uma conversa lânguida ao telemóvel topo-de-gama-último-modelo, sacudindo o rabo de cavalo em “câmara lenta”, num gesto estudado. O bronzeado perfeito dos ombros contrasta com os faiscantes óculos de sol Christian-Dior-ou-coisa-que-o-valha. Uma digna descendente da Milady “aromática e normal” de Cesário Verde.

Acabou a conversa, mesmo a tempo de reiniciar a marcha, pois a bicha já permite um fluxo vagaroso. Acende um cigarro voluptuosamente, mantendo o braço esquerdo de fora, flectido em pose. Sorve o fumo lentamente e expele-o logo de seguida, prolongando esse gesto de lábios o máximo de tempo possível. A meio do cigarro, lança-o com toda a naturalidade para a estrada. Coitadinhos dos carrinhos desportivinhos descapotaveizinhos que não têm cinzeirinhos!...

Tudo isto eu observo, com olhar censor e indignado, enterrado nos estofos do meu Wolksvagen topo-de-gama, enquanto vou escarafunchando macacos do nariz.

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