quarta-feira, novembro 17, 2004

O Direito à divagação (deste, Mário Soares nunca falou)

Parapoema

Pessoa e Platão
Distantes no tempo linear
Vieram a recusar
As coisas como são

Como são
As coisas que são
Como são?

Primeira resposta ao ser que não é
A platónica ideia luta com o devir.
Se tudo muda, como é?
Tudo corre, tudo vai a fugir…

Como são as coisas que são
Como são?

Como pode o mundo
Não ser mais que isto?
Como pode o profundo
Ser só o que é visto?

A pulga salta
A dúvida persegue e mina
Até o que não é falta
Até o que falta domina

Como pode a imanência
Facultar o que sentimos?
Como pode a existência
Não chorar se não nos rimos?

Pode a arte imitar?
Pode a arte entrever?
Pode o poeta adivinhar
O que nunca vai morrer?

Ser poeta é cantar
O mundo que está vedado
Ser poeta é não suportar
A dor de estar calado

Ser poeta será ser?
Se o poeta é fingidor
Só pode parecer
E nunca ser o trovador

Pessoa e Platão
Poetas que parecem
Pessoas que não são
Ideias que não esquecem

Mito, 23-08-2000

1 comentário:

Graça disse...

Mais uma vez, a música é leve, mas a letra é complexa. Admiro-te a habilidade para sintetizar e comparar o essencial de Pessoa e Platão. E para reiterar as suas interrogações. Aliás, admiro sempre a capacidade de interrogação,mesmo quando as coisas parecem exactamente o que são, e a capacidade de vencer a dor de estar calado. Desta também não falou Pessoa, mas sentiu-a - a várias vozes...