segunda-feira, novembro 29, 2004

Um país à espera do presidente

Vem-me à memória a célebre alusão à “angústia do guarda-redes no momento do penalty”. É conhecida a angustiosa dicotomia que se estende ao marcador da grande penalidade. Para este, a baliza parece imensamente estreita; para o guardião, assemelha-se desmesuradamente larga. Naqueles segundos antes do “castigo máximo”, cada um dos intervenientes vive a sua angústia e o tempo parece preguiçar, sadicamente. E o público suspende a saliva.
Da mesma forma, se me afigura a presente relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro “incubado”, órfão de Barroso e de legitimidade eleitoral. Parecem estudar-se meticulosamente, estes dois contendores, atentos a cada pequeno gesto, despertos para cada piscar de olhos, presos de um leve brilho matreiro no olhar alheio.
Cada um vive a angústia à sua maneira: o primeiro-ministro vai penando, com a espada de Dâmocles pendente sobre a recém-prateada cabeleira; por seu lado, o Presidente encarna na perfeição uma alegoria da sina de cada homem ser escravo do seu caminho. Poderia dissolver a assembleia, devolvendo ao “povo” a faculdade de escolher os próximos governantes, mas há indícios que levam a crer que, no “seu alto critério”, o tempo não é ainda chegado. Talvez anseie uma melhor preparação do principal partido da oposição. Ou talvez não queira ser ele o rastilho de uma crise que adivinha no nosso sistema político. Uma crise ainda pior que a que vivemos presentemente. Uma crise que adviria da constatação de que era impossível sair da crise, já que as alternativas democráticas se poderiam mostrar impotentes para a debelar. O nevoeiro instalado veio para durar; ameaça tudo cobrir com seu manto diáfano e talvez mesmo sufocar os ponteiros dos relógios.
Entretanto, o país continua adiado, à espera do Presidente. E este azeda de dia para dia, consciente de não ter a poção mágica e proibido de o confessar.

1 comentário:

Graça disse...

Confesso que admiro a perícia que tens para captar estes "instantâneos" de alvos em movimento (e bastante tumultuoso, por sinal) e lhes dares o contorno caricatural que, pessoalmente, aprecio bastante. As analogias são originais e "certeiras", como sempre.